27.12.09

Come back another day.

E eu pensava, sim, eu pensava que havia uma razão. Que se poderia justificar tudo com uma evidência qualquer que me escapava. Só o mistério me deixa em suspenso, à espera da próxima palavra a perder-se da tua boca. Mas não há nada, tu és assim e eu sou assim também e por isso te percebo tão bem. Reproduzo os teus passos, qual detective. Imagino o estímulo que me levaria a dar uma resposta igual à tua. É lógico. Matemática pura. Só me custa não perceber, não ter leitura e nada para ler, e tudo para mal-entender. Pura cortesia e especulação, aceita. Não sejas como os que já foram.


Acorda. A corda. Está aí. Corta-a à dentada, não a aceites. Vamos ser diferentes. Agora, que é o único tempo que existe. Diz o que tens a dizer, eu quero ouvir-te. Não fales de coisas que não me lembrem de ti, como te imaginei. Ajusta as contas e depois volta. Volta e deixa cair o véu que te cobre o rosto e envenena a interacção. Deixa-me ver aquilo que és e depois eu prometo que me vou embora. Quero deixar-te, especialmente se os teus braços estiverem atados. É a minha vez, eu sei. Por isso cobra a dívida, mas não me abandones na tua vida. Leva-me pela mão, mesmo aos lugares desertos,

ou então não agarres na minha mão, mas olha para mim daquela maneira. Olha para mim e o meu copo meio vazio fica meio cheio, meio a transbordar e eu só ouço o teu cheiro e só vejo o sabor da tua boca. O teu nome, a minha não é capaz de o dizer. Não te chamo nada. E não acredito nada em ti. Então fecha a porta e olha para mim mais um bocadinho. Diz qualquer coisa que eu nunca te ouvi dizer, com a mesma voz. És tu. Imagina que és tu. E depois não sejas mais nada.

17.12.09

Y - Eu não sei coser. Faz mal?

X - Não.

Y - De certeza?

X - Absoluta.

Y - Não te importas? (silêncio) Sei fazer algumas coisas, mas coser não.

X - Não se cose, então.

Y - Podemos falar?

X - Sobre o quê?

Y - Sobre qualquer coisa.

X - Mas queres dizer alguma coisa em especial?

Y - Não. Tu queres?

X - Não. Mas podemos falar.

Y - Podemos fazer o que eu quiser?

X - De vez em quando.

Y - E o que tu quiseres?

X - De vez em quando também.

Y - E o que é que fazemos quando não estivermos a fazer o que tu queres ou o que eu quero?

X - O que calhar.

Y - E se nos fartarmos?

X - Não fazemos nada.

Y - E se nos fartarmos de não fazer nada?

X - Fazemos qualquer coisa.

Y - E se nos fartarmos um do outro?

X - Tu voltas para a tua casa e eu para a minha.

Y - E se eu já não morar lá? As pessoas ficam diferentes depois destas coisas. E se for tarde demais para me ir embora?

X - Mais tarde ou mais cedo temos que ir embora.

Y - E isso é mais cedo ou mais tarde?

X - Quando for. Não faças tantas perguntas.

Y - Só pergunto porque quero saber.

X - Não podes saber sempre tudo.

Y - Está bem, mas às vezes as coisas não fazem sentido e eu preciso que elas façam pelo menos algum sentido. Não é preciso muito.

X - Não tens frio?

Y - Não, tu tens?

X - Estou a morrer de frio.

Y - (após uma longa pausa) Se morresses ia-me fazer imensa confusão.

X ri.

Y - A sério. Se te acontecesse alguma coisa e me telefonassem a dar a má notícia ou a dizer que tinhas ido parar ao hospital, o meu coração ia encolher como uma ervilha esmagada ao meio. Há outras pessoas que me fazem rir e que têm coisas bonitas, coisas de que eu gosto, mas se lhes acontecesse alguma coisa não me ia fazer tanta confusão. Isso deve querer dizer que me importo contigo. Às vezes penso em ti e até te acho antipático, não sei porquê. Mas as coisas que não são bonitas em ti cativam-me mais que a beleza de muitas pessoas. (pausa) Nem me lembro de ter frio. Mas tu lembras-te. É mau sinal.

X - Não digas disparates. Há outras coisas de que não me lembro quando estou ao pé de ti.

Y - A falha de memória é sinónimo de apreço?

X - Pode ser.

Y - Secalhar era melhor pormos uma pedra sobre o assunto. Isto pode correr mal.

X - Se correr mal, fazemos as malas e vamo-nos embora. Tu segues o teu caminho e eu sigo o meu.

Y - Eu não tenho bom sentido de orientação. Mas o meu sempre é melhor que o teu. Ainda nos perdíamos e aí precisávamos mesmo um do outro e não sabíamos como nos encontrar.

X - Quando lá chegarmos logo pensamos no assunto. Ainda é cedo. Dorme e não me faças mais perguntas.

(silêncio)

Y - Já estás a dormir?
Diz que sim. Eu digo que sim também, para não estar sempre
a dizer que não.

Diz, sim. Não importa a quê.
Salta.
Eu não levo pára-quedas. A queda não pára nunca e ainda bem. Só p'ra dizer que estou
viva, eu salto. Contigo. Ou sozinha e depois encontro-te no caminho. É bem melhor assim.

Diz que sim, só para eu saber que tu percebes a língua que se inventou entre nós sem darmos por isso. Sem que a saibamos falar. Demora o tempo que quiseres. A espera não acaba e tu já chegaste, desde sempre, desde longe.


Se me vires do avesso não me vires ao contrário,
já sabes que isso não se faz.
Faz-se o melhor que se pode com o que há,
que é perfeito, por defeito.
Sorri como se não ouvisses tudo o que é dissonância.
É disso que somos feitos. De tudo o que há de errado e
não se pode mudar.
É bem melhor assim.


18.11.09




Share this.


Let's share this, chéri.


The Mon Chéri is a single-wrapped combination, consisting of a "heart" of cherry, floating in a special liqueur and contained in a plain chocolate housing, says Wiki.


But oh no.


Mon Chéri c'est une expression de tendresse.


C'est la personne avec qui je veux partager quelque chose.


L'amour est fou, dit Balibar.


Sim o amor é vão, diz O Sopro do Coração.


É certo e sabido.


.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.

Clave, clave, clave.

Tem cuidado e tira a teima. Vê aquilo que sou.

20.10.09

A tristeza é tua. A alegria é nossa.
O tempo é da relatividade e no espaço não cabemos os dois, juntos.
Apetece-me partir os pratos e desarrumar os papéis que tens em cima da secretária, posso? Com as mãos que cheiram a insubordinação. E a pecado. A mais um dia de tempo inútil.
Não, não fiz nada. Roubei-te mais um milímetro de calendário. Mas o
ar que respiro não tem preço, e mesmo assim eu pago-o
dia-sim dia-não, hoje não, amanhã prometo.
Neste fim de tarde meio escuro, o chá desaparece para dentro das chávenas e eu aprendo a gostar de ti com laços feitos de mel. Se não fosse a memória, adeus romantismo. Mas eu lembro-me e guardo-te comigo por uma questão de sobrevivência. É um mistério quando isso acontece, mas acontece. A defesa adormece, qual tigre manso.
Dorme, segura na minha mão e até amanhã.
Quando chegar a altura, eu digo-te.
Enquanto sonhas, vou pintar o chão e a porta do quarto com estrelas de meia-noite e pombas em ponto-cruz - pela paz ou pelo amor ou coisa do género. Depois encaminho-te à porta e sussurro-te o adeus sentido de quem recebe visitas pela vida fora para correr com a vida para dentro.
Já não és meu, já não me lembro de como era seres meu. Adeus é uma palavra triste, mas vai-te embora. A sério. Somos todos um, o mesmo, não me vais fazer falta.

4.10.09













Go on and grow me a heart.

I'll give it all to you, I want to.

And everything that may be wrong with you, I'll take it gladly.
The way your voice sounds in my ears, and the hands with which you build the world I long to see, and the things you make me want to be, even against my will. It's against my better judgment, all of it. But I feel it. And it feels right. Feels right to embrace your wrong as I seem to talk about it over and over, just 'cause I can find none. I'll find something eventually.

In the meantime, do let yourself in.

9.7.09

We say goodbye.

To people who stayed and now must go.

To moments that passed.

To places that obey their position as we move away, farther way.

To friends who have changed and now reinvent themselves - perhaps to say 'hello' again.

To lives and stories that must come to an end.

We cry a little.

This one was a goodbye year. And it's not even over yet.

Still no clue.

No idea what I'll spend my life on.

For now we'll just release. Leave it all behind and start again.

I say goodbye.

(Toast) Here's to the ones who stay. And to the ones who leave.

And here's to everything else.

'Za vstrechi!'

28.6.09

'Your stitches are all out
But your scars are healing wrong
And the helium room inside your room has come undone

And it's pushing up at the ceiling
And the flickering lights it cannot get beyond

Oh everyone takes turns
Now it's yours to play the part
And they're sitting all around you
Holding copies of your chart

And the misery in their eyes
Is synchronized and reflected into yours

Hold on
One more time with feeling
Try it again
Breathing's just a rhythm
Say it in your mind
Until you know that the words are right
This is, why we, fight

Do do do do do do-we-oo-we-oo-we-oo
Do do do do do do Do do do do do dooooooooo

You thought by now you'd be
So much better than you are
You thought by now they'd see
That you had come so far
And the pride inside their eyes
Would synchronize into a love you've never know
So much more than you've been shown

Hold on
One more time with feeling
Try it again
Breathing's just a rhythm

Say it in your mind
Until you know that the words are right
This is, why we, fight
This is, why, we fight

Do do do do do do-we-oo-we-oo-we-oo
Do do do do do do Do do do do do dooooooooo'

One More Time With Feeling,
Regina Spektor

11.5.09

Russia, Russia, Russia.

I do miss you.

(sigh)

'A thousand times goodnight.'

*

27.4.09

Quando o fim acontece, tu nunca estás lá. Estás sempre longe. Moras numa caixinha fechada, lado a lado com a minha, mas só te vejo de vez em quando, nos raros momentos em que ela permite transparência. Mas só a transparência da tua máscara, se for. Não saberás talvez as palavras certas, então não dizes nada - mas há os teus braços, firmos como uma rocha para além da qual se adivinha (pelo som) um riacho ou um oceano qualquer.

Quando percebo que me enganei, sinto-te a falta como a um erro que gostava de ter cometido. Passo a vida a mandar-te embora, continuo sem saber se quero que fiques e não faço ideia de onde estás. Quando te encontro pelo caminho, sinto-te o corpo separado do meu como se fosse invasão e digo sempre «não, 2 mais 2 não são necessariamente quatro». Não sei dizer que sim, e tu não fazes ideia de quem eu sou. Passo o tempo a enganar-te, porque não te sei responder a essa pergunta.

Quando está frio e às vezes quando chove, eu corro para casa. Chego, sento-me na cama e espero que o que é permeável ignore as gotas de chuva. Deixo que o cansaço me assente bem, para que o sono pareça sagrado. Imagino que a tua caixa se abre e tu existes no meu mundo, estás sentado à minha frente e olhas para mim como se soubesses exactamente o que estás a ver.

Quando agarras na minha mão, eu ouço o rio a correr
e não tem mal que a vida desague inevitavelmente na morte. A ortografia é pouquíssimo importante, os soldados britânicos têm comichão no queixo e o vento a assobiar por entre as folhas das árvores faz-nos sentir eternos.
Mas tu nunca estás lá.

When someone dies,

I'm not sure whether we cry for them or for all the ones who stay.

17.4.09

Culpa? Para que serve isso, mesmo?

11.4.09

Listening to your voice calms me down. Makes me feel not-so-lonely. See I didn't know I was.

So I play your songs over and over again.

But sooner or later the music stops. And then, out of the blues-like-silence, all I hear is the washing machine. Funny enough, it makes life seem not-so-tragic.

5.4.09

i read you stories while you are asleep.
i hope you don't mind me saying this, but you're mine.
since my heart memorized the smell of you existing and the silence painted on that transparent veil with which you covered your face, i dare to guess why i mustn't give you up.
not just yet.
move in closer, there are nice things happening where the unafraid endure.
and my world was a lot emptier before you showed up, so we may read to each other.
it may keep us satisfied and a bit happier.
your manners are socially equipped but i suspect that doesn't make you too shallow.
we talk the way we talk, we do the things we do, we are something - whatever it is, it doesn't matter for the (time) being.
tic-tac.
i'm waiting.
it always takes time.
(i hope your name's not godot.
-
and i hope you got chiclets.)

30.3.09

Agora compreendo-te.

Percebo a tua razão. Só não era minha porque em vez de aprendizagem

escolhi evasão.

Que é quase o mesmo que o recreio da tua aprendizagem.

E com o curso natural das coisas mal se nota a diferença.

Mas há diferença, sim.

Há-me a mim.

Onde é que isso estava?

Não, o mundo não é como eu pensava e

de cada vez que pensar ele pode ser diferente.

Algum deles há-de ser mais simpático que o outro

e o critério de desempate é sentido que faz (ou não faz).

Onde fizer mais sentido, bate o pé.

Menina feia. Menina linda. Menina.

Sim, tens razão. E eu admiro-te, porque cresces sempre mais depressa do que eu.

Quando chego, já tu lá estiveste antes de mim. Voltas atrás para me lançar um olhar reprovador,

fazes-me sentir tão errada, como sempre,

fora do compasso, fora de horas,

demasiado perto, demasiado longe,

nada.

Demasiado tua.

Quem te pediu, menino?

Menino mau. Menino bom. Lobo. Lobo Mau. Raposa. Principezinho.

Não estrangules a flor, que é isso então?

É assim que és responsável pelo que cativas?

*

A responsabilidade é só aprendizagem.

No recreio, vamos apertar as mãos e fazer as pazes.

24.3.09

Às vezes dou por mim a morar num mundo qualquer longe daqui - nas esperas, quando os movimentos do mundo não me distraem. Tudo faz sentido, tudo está no seu lugar,
mas eu nunca pertenço, nem me convenço com a solução matemática para o problema que é literário.
Tenho o casaco virado do avesso.
A saia é demasiado comprida para perceber porque é que os sapatos não me cabem nos pés,
(será que cresci assim tanto de um dia para o outro?)
E porque é que temos que andar tanto? Para onde é que vamos?
Vamos dizer-te adeus, avó.
Queria despedir-me à distância dos resquícios da tua existência,
para mim já não estavas ali.
Mas acabei por dar dois ou três passos, os passos necessários,
beijei a tua testa e pousei as minhas mãos sobre a tua cara.
Estavas tão fria.


Dentro do café está quente. O fumo incomoda-me, especialmente quando me lembro que os fumadores passivos acabam por ser mais prejudicados que os activos. Mas 'ninguém cá fica', como eles bem dizem. Por isso acho que não faz mal. De que é que vale defendermo-nos tanto, afinal de contas? Esforço-me por sorrir, forço um bocadinho de alegria, amanhã pode ser tarde e a festa ter acabado. Mas mesmo quando estou alegre, fica em mim esta tristeza afável - macaquinho de feira sentado no meu ombro. Tenho-lhe carinho até, mas faz-me pensar, faz-me sentir que me falta ainda um pedaço grande de vida para existir. Brincamos e rimos e falamos de coisas banais. Somos sinceros, amigos e, assim, não estamos sozinhos. Mas nunca deixamos de estar.

Não quero pensar mais. E quero ter mais razões para sentir, que assim não sinto que sinto em vão. Guardo comigo os sonhos, as lembranças, as tintas para pintar um mundo onde ainda não cresci demasiado. Os filmes, os livros, a música. Mudei tanto (tanto) que continuo na mesma.

E quando olhas para mim como se eu fosse grande e tivesse culpa do que nem adivinho...
Sofres quando não precisas, usas esse tom sério e responsável que me condena, como se não soubesses falar outra língua.
Vejo-te pintar um céu negro, trovoada e pedras pesadas nos teus sapatos,
e eu fico à porta - não, obrigada.
Aqui deste lado o tempo é mais ameno,
o sol ilumina-te os traços que eu reconheço e eu enxugo-te os cabelos molhados pela chuva que já passou.
Está tudo bem. Não esperas mais do que tenho para te dar.
E tens a coragem de o receber.
Amanhã seremos nós, mas tão diferentes

que tudo isto não terá sido mais que uma festa que continua agora noutro lugar.

23.3.09

- Quero tomar conta de ti.
- Então porque é que mataste o meu gato?
- Oh, não mudes de assunto. Sabes perfeitamente que esse teu gato tem instinctos suicidas. Para não falar do facto de ele ser um cão.
- Seja como for. Se nem sabes tomar conta do meu gato, como é que vais tomar conta de mim?
- Ao abrigo da lei universal nº 12345 do artigo 7., redigido em atenção às circunstâncias biológicas da raça humana que dizem - e não cito porque nunca o li na íntegra - que a minha estrutura óssea e muscular foi arquitectada pela natureza para proteger a tua, claramente mais frágil.
- Não me parece que haja perigo à vista, Tarzan. Deixa-te estar.
- E o Direito? E a Moral?
- A minha Ética pessoal permite-me declinar a gentileza com que dispensas esse teu escudo sem crises de consciência. Porque não te sentas simplesmente ao meu lado? Isso. Mas não fiques tão irrequieto.
- Não sei funcionar assim. Não é natural. O que é que é suposto eu fazer agora?
- Sei lá. O que quiseres. Podes dizer qualquer coisa e depois eu respondo-te. Ou podemos ficar em silêncio. Já sabemos o que é que somos segundo a lei tal do artigo tal da biologia, mas eu não te conheço. Ninguém te tira o talento para a dualidade de que tanto falas. Mas há muito mais que se lhe diga quando se trata de uma pessoa. Podes só ser tu por um bocadinho, para eu te ver e poder sentir qualquer coisa mais que a tua estrutura óssea quando te abraçar?
- Mas onde há amor não há poder.
- Exactly.


If I fell in love with you
Would you promise to be true
And help me understand
'Cause I've been in love before and I found that love was more than just holding hands.

If I give my heart to you
I must be sure from the very start
That you would love me more than her...

If I trust in you, oh please
Don't run and hide...


Beatles, The

17.3.09

In vino veritas.
But the next day you can't remember.



The truth shall set you free (+ give you a giant headache).

La, la, la, la, la. (There's a song in my head.)

Bum, bum, bum, bum - pa! (There's a drum in my bed.)

C, D, E, Bflat - (Tonight I'll sleep tight and dream of the things I missed when I was awake.)

~Your absence is coming, I can feel it.

And I won't heal it with all the loving arms in the world.

12.3.09

Certa vez tive um sonho estranho.

Estava num país qualquer experimental - esta é a palavra mais acertada que me ocorre para descrevê-lo - onde a ameaça de guerra era tácita e o inimigo absolutamente anónimo. Estávamos sozinhos. Só havia um lado, onde estava o 'Nós', e o 'Outro' era só o perigo que pairava no ar meio nebuloso e dava nós no fundo dos nossos estômagos.

Lembro-me que tínhamos todos idade para frequentar o ensino primário, também nós éramos um pouco experimentais e bizarros, órfãos e assustadiços. Lembro-me apenas de uma sala de aula servilmente claustrofóbica - o chão forrado por uma carpete castanha clara, na parede à nossa frente a projecção de um filme a preto-e-branco sem vestígio de humanidade. Ninguém sabia bem o que estava ali a fazer. Só o medo pairava sobre as cabeças de todos, inclusivé dos professores, que eram ligeiramente mais baixos que os próprios alunos e de longe mais temerosos.

Mas aquilo que realmente me impressionou foi um momento particular em que, ao sentir um ligeiro desconforto, baixei a cabeça e olhei para as minhas mãos. Na palma, em vez da pele tracejada pelas linhas habituais, um corte que a separava em duas partes iguais, qual janela, e deixava ver um conteúdo peturbador. No interior, pequenos véus feitos de uma matéria qualquer irreconhecível agitavam-se suavemente, como se de cortinas ao sabor do vento se tratassem, rodeadas por pequenas ramificações que faziam lembrar plantas e que cresciam cada vez mais, para depois se enredarem umas nas outras e desaparecerem de novo para o nada, de onde surgiam sempre outras tantas.


Toda essa ágil movimentação resultava numa dor que a atmosfera anestesiante potenciava, uma sensação de estrangulamento das veias e artérias, agora convertidas em ramos e folhagem.
Ao mesmo tempo, o fascínio que acompanhava o testemunho do espectáculo, tão belo e assustadoramente visceral. Se o funcionamentointerno da minha mão era puramente vegetal, talvez eu fosse, afinal, semelhante a uma planta.
De repente, e apesar da dor pesada que ainda persistia, senti-me a salvo de todos os perigos que pesavam sobre o meu jovem entendimento.
Naquele momento, foi quase como se até pudéssemos ser livres...

3.3.09

Se a Eva comeu a maçã, foi porque estava com falta de açúcar no sangue. De certeza que o médico aprovou.

Ele não disse. 'Gosto que estejas aqui, a olhar para mim, e esta gente toda à nossa volta. Gosto que olhes para mim para veres que eu estou a olhar para ti. Não quero que me admires. Eu sou só um pequeno carpinteiro à deriva num mar de oportunidades feitas de fumo ou água a dois passos do ponto de condensação. Amanhã posso não ter uma única moeda no bolso, mas continuo a ser a pessoa que gostas de encontrar pelo caminho. Sorrio-te enquanto te mostro como sou pequeno e inacabado. Estou ainda a começar; eu sei, eu sei que já devia estar longe. Mas não tenho pressa que me obrigue a não andar devagar.'

Ela disse. 'Gosto dessa camisola que trazes hoje. Faz-me lembrar cortiça ou madeira ou mel. És um pequeno arquitecto de sonhos, diz lá que não? Não me leves para lado nenhum, aqui está toda a gente, mas que mal é que isso tem? Aqui não está ninguém. Temos importância zero na vida um do outro, mas este momento é nosso. Sorri - para eu saber que estás feliz. Isso deixa-me feliz também. Os meus pensamentos são meus. E eu penso em ti, de vez em quando. Mas quando os momentos passam, já não são nossos. Já não são. E então? Dizemos até amanhã, e amanhã pode ser daqui a muito ou pouco tempo. Pode até não ser. Mas se for, que tu sejas sempre teu e que eu seja sempre minha, para que o momento seja nosso.'

Ele disse: 'Olá. Eu sou o Adão. Dou-te um pedaçinho da minha costela e, se quiseres, uma fugaz ilusão de livre-arbítrio, enquanto te agarro na mão e te esvazio dessa tua incómoda mania de pensar ideias tuas. Serás minha companheira e poderás admirar os meus triunfos, celebrar comigo, rir com a caça à felicidade quando eu a declarar aberta. Serei gentil contigo, ainda que sintas em ti o vazio da comunhão virada do avesso. Terei sempre tempo para ti, enquanto me admirares.'
Ela pegou na maçã, trincou-a e disse: 'Vai à merda, parvalhão.'

26.2.09

if you practice, you're gonna get good at it.

whatever it is.

tango,

the guitar,

optimism,

peace.

you're gonna get good at it,

if you practice.

22.2.09

Eles dizem o quão maravilhoso és. Dão-te palmadinhas nas costas e tu sorris, descomprometido. Às vezes vejo-te saltitar no teu êxtase de calmia e tenho a certeza de que eles têm razão. Orgulho-me de ti como se fosses meu, como se fosses tão meu quanto és dos que te têm. Imagino-te a regressar das tuas conquistas para os meus braços
- espero-te na casa onde moramos temporariamente, num país qualquer quente onde as janelas são apenas recortes nas paredes, sem portada. Deitas a cabeça no meu colo e eu passeio os dedos pelos nós desfeitos do teu cabelo, enquanto lês um jornal de há não sei quantas semanas. Antes costumavas estar sempre em cima do acontecimento, sempre a correr contra o tempo. Agora nem sabes onde deixaste o relógio. Secalhar caiu dentro da sopa,
ou talvez tenha sido roubado por uma raposa. Não se ouve ponteiros. Só a brisa que se arrasta sonolenta noite-de-verão-fora. Ao virar de cada página, cantarolas meia-melodia de uma música que eu não reconheço. A maior parte das vezes és um mistério - may I say hallellujah.

Pomos o gira-discos a tocar e dançamos à luz da lua que entra pelas janelas sem portada. Não és lá grande dançarino. Mas quando me tocas quase posso jurar que não existo para mais nada. Às vezes ficas uma eternidade sem dizer palavra. Eu faço-te perguntas às quais és sempre capaz de responder com um simples aceno de cabeça ou gesto esclarecedor. Depois olhas para mim como se só existíssemos nós os dois e eu lembro-me do contador de histórias admirável que és.

Imagino-te a adormecer em cima de um livro poeirento onde lês muito menos do que existe, mas que te alivia do enredo da tua própria complexidade. Respiras tranquilo e sonhas com coisas simples e triviais. Quando acordas de manhã não te recordas da rotina nocturna repetida ao expoente do tédio reconfortante para a montanha russa que é essa tua inconsciência criadora de ordem e harmonia em tudo o que esteja fora (de ti). Ao longo do dia ocupas-te com o mesmo de dias anteriores; às vezes cantas mais que meia-melodia e perguntas-te se alguma vez cantarás para mais um. Por brincadeira, pões a mesa para mais um também e, enquanto desaguas o conteúdo do copo de vinho tinto garganta abaixo, imaginas-te num país longínquo - frio, de preferência.


E eu à tua espera algures em África.

30.1.09

You know what I do to keep myself happy?

Even when it's raining, I pretend it is summer. And I pretend I'm still very little. But focused. I do know what I want. But when it's summer I feel like - in case I don't get it - I'll be just fine. I have the sun/The warm wind on my face/The bare feet to walk on.

Maybe I'm walking in circles.

Maybe we are walking in circles, like a dance.

Dancing is always in circles.

Still when you think you've missed me, I may just be right behind you, scared to death that you may find me and yet, fascinated by whatever fabric you're made of.

What are you made of? Be my tour guide to your presence, will you?

Tell me your stories. What you're afraid of. What makes you laugh. Where it hurts the most when you choose to be who you are and what you've been through. Maybe I'll tell you a little bit about myself too. Or maybe you could figure it out. If we were little it would be so easy for us to get to know each other. If we could start over, we wouldn't be so worried about the thousand possible ways we can ruin ourselves if we decide to hold hands. When we held hands to play, there were no doubts, no expectations. Now the waiting and the wondering is murdering initiative. And everything else around just makes us not know how to smile.

There was this day when you looked at me like you wanted to take me home with you. I could swear that in an alternative universe you did come back and say it outloud, but I'm not sure I followed you. At that moment, in my mind I did, but home was right there - where you were standing. Home was you. You held my hand and took me to you. And in my mind I did acquiesce.

Whatareyoumadeof?

I'm tired of seeing only myself in everything around me. But if I take the time to see you, if you take me there, is it a one way ticket?

17.1.09


When the heart grasps what is painful, it is like being bitten by a snake. And when, through desire, it grasps what is pleasant, it is just grasping the tail of the snake. It only takes a little while longer for the head of the snake to come around and bite you.

Ajahn Chah, A Still Forest Pool

16.1.09

You breathe in such a graceful way.

You remind me of home - wherever it is.

But oh well, my emotional disengagement is a biological condition.

I change the right words for elaborate speeches that make -absolutely- no sense.

And then you're mad at me. And it bugs me a little.

Your heart is the size of your entire body while

I seem to experience shreds of emotions through the liver - 'cause, since I don't really drink, he has some free attention to give.

No heart to be found.

No idea why.

The other does the best he can, but it's not enough. It's not enough for you, or me. But again you judge it with your heart, so I guess it does you more harm than my rational speculations do to me.

Don't tell me it's a defense mecanism, and if it is, don't spit on it with your impressionable sensibility. I used to be just as impressionable or more once upon a time, but if I lost it there must have been a reason. And if I regain it, please, may it be for a good one too.

Not caring that much is so peaceful it seems to scary the life out of me.

14.1.09

Give yourself a break.

(advertising for the soul.)

4.1.09

Exercício:

'Medite sobre a ponta do seu nariz.

Feche os olhos.

Concentre a sua mente e todas as suas energias bem na ponta do seu nariz.

Esvazie a cabeça de tudo o resto.

Agora,

deixe que a ponta caia.'

"O homem deve ver que nada existe realmente, mas que tudo se está sempre a tornar e a mudar. Nada fica parado. Tudo está a nascer, a crescer e a morrer. No instante em que alguma coisa atinge o seu auge, começa a decair. A lei do ritmo está em funcionamento constante. Não existe a realidade. Não há uma qualidade duradoura, fixidez ou substancialidade em nada. Nada é permanente, a não ser a mudança. O homem deve ver todas as coisas como evoluindo de outras e levando-as a outras coisas, uma acção ou reacção constante, fluxo ou refluxo, e construindo ou demolindo, criação ou destruição, nascimento, crescimento e morte. Nada é real, e nada resiste a não ser a mudança."

A Cabala

2.1.09

Silêncio.
Colchões, almofadas, sapatos debaixo da cama,
envelopes por estrear - cheios dele.
Um ar incómodo e vazio de palavras a fazer cócegas na garganta imperturbada por uma qualquer vibração de conteúdo.
Dias e dias a fingir que o mundo lá fora está à espera (cá dentro) que a porta se abra outra vez,
deixe ela entrar o frio que já não é ameaça.
Nada disto faz sentido.
Mas não dizer nada é pacífico e suave para os meus ouvidos.

(silêncio)


Quero ouvir o som do mar. Mas ele está longe e a porta ainda está fechada.
Quero ir lá para fora brincar, mas a garganta ainda arranha e está a chover,
não está ninguém na rua.

Quero ser pequenina,
como sou e não me importo de ser e ninguém sabe porque não se nota assim tão facilmente.
Quero que seja Verão o ano inteiro e que eu possa alimentar-me só de água e vento.
Deixar crescer flores no meu cabelo e chamar-lhe beleza.
Adormecer nos braços de uma árvore e chamar-lhe casa.
Chamar pelo teu nome e tu vires a correr para brincar comigo.
Porque tudo é simples e estamos ainda a começar.
Tu ainda não aprendeste a ter medo e eu ainda sei chamar por ti.
Somos felizes, mesmo quando pensamos que está tudo de pernas para o ar.
Fomos nós que nos esquecemos de acompanhar o movimento do mundo.
Anda, vem dançar comigo...
Não te preocupes se pisares uma ou outra flor que caia no chão. Não vês que elas estão sempre a nascer?



SAY WHAT?