24.3.09

Às vezes dou por mim a morar num mundo qualquer longe daqui - nas esperas, quando os movimentos do mundo não me distraem. Tudo faz sentido, tudo está no seu lugar,
mas eu nunca pertenço, nem me convenço com a solução matemática para o problema que é literário.
Tenho o casaco virado do avesso.
A saia é demasiado comprida para perceber porque é que os sapatos não me cabem nos pés,
(será que cresci assim tanto de um dia para o outro?)
E porque é que temos que andar tanto? Para onde é que vamos?
Vamos dizer-te adeus, avó.
Queria despedir-me à distância dos resquícios da tua existência,
para mim já não estavas ali.
Mas acabei por dar dois ou três passos, os passos necessários,
beijei a tua testa e pousei as minhas mãos sobre a tua cara.
Estavas tão fria.


Dentro do café está quente. O fumo incomoda-me, especialmente quando me lembro que os fumadores passivos acabam por ser mais prejudicados que os activos. Mas 'ninguém cá fica', como eles bem dizem. Por isso acho que não faz mal. De que é que vale defendermo-nos tanto, afinal de contas? Esforço-me por sorrir, forço um bocadinho de alegria, amanhã pode ser tarde e a festa ter acabado. Mas mesmo quando estou alegre, fica em mim esta tristeza afável - macaquinho de feira sentado no meu ombro. Tenho-lhe carinho até, mas faz-me pensar, faz-me sentir que me falta ainda um pedaço grande de vida para existir. Brincamos e rimos e falamos de coisas banais. Somos sinceros, amigos e, assim, não estamos sozinhos. Mas nunca deixamos de estar.

Não quero pensar mais. E quero ter mais razões para sentir, que assim não sinto que sinto em vão. Guardo comigo os sonhos, as lembranças, as tintas para pintar um mundo onde ainda não cresci demasiado. Os filmes, os livros, a música. Mudei tanto (tanto) que continuo na mesma.

E quando olhas para mim como se eu fosse grande e tivesse culpa do que nem adivinho...
Sofres quando não precisas, usas esse tom sério e responsável que me condena, como se não soubesses falar outra língua.
Vejo-te pintar um céu negro, trovoada e pedras pesadas nos teus sapatos,
e eu fico à porta - não, obrigada.
Aqui deste lado o tempo é mais ameno,
o sol ilumina-te os traços que eu reconheço e eu enxugo-te os cabelos molhados pela chuva que já passou.
Está tudo bem. Não esperas mais do que tenho para te dar.
E tens a coragem de o receber.
Amanhã seremos nós, mas tão diferentes

que tudo isto não terá sido mais que uma festa que continua agora noutro lugar.

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