31.8.08

ler aquelas palavras outra vez.
todos os dias.

para me lembrar que faz sentido.

(mas se faz mesmo, porque é que dura tão pouco tempo senti-lo?)

27.8.08

será que vai começar tudo outra vez?

será que vamos ter outro primeiro dia
(como aquele primeiro dia),
um novo ciclo que feche o ponto de chegada no ponto de partida
e que os funda e confunda num último desejo de voltar atrás
e fazer tudo diferente?
mas não.
não poderia ter sido de outra maneira.
se pudesse,
teria sido.
mas outras teriam sido também as lembranças,
outros os arrependimentos.

agora começa outro filme.
ligeiramente mais assustador, adivinho.
sem pipocas à entrada, sem grupos de amigos a conversar animadamente
enquanto se espera pela hora marcada no bilhete.
bilhete, onde raio pus a porcaria do bilhete?
cá fora há só frio. incerteza.
dois ou três intelectuais com o mesmo penteado, a mesma cor na armação dos óculos, o mesmo olhar por detrás deles também.

...
quando acordei era tão parecida comigo...
agora já nem sei.

25.8.08

Aquela calma. Aquela serenidade. Aquela arrogância, até.
Tudo nele era mérito, sabedoria.
O silêncio abafado da chuva que cessava lá fora, e a sua voz - melodia contrapontística, sem percussão (salvo as batidas secas dos conceitos-chave e as bofetadas de luva branca do que poderia ser pura evidência).
Sempre o mesmo discurso,
sempre a redundância de rabo na boca.
Nada de novo a acrescentar e a escola da vida sempre a rebentar pelas costuras com alunos que nunca aprendem a lição.
Ele não.
O seu nome estava no quadro de honra havia muito tempo.
Ele começara a dar aulas no seu primeiro dia de aluno, aprendera a ensinar-se a si próprio e a esquecer tudo o que lhe pediam para lembrar. Datas, nomes de ruas, regras de etiqueta e receitas para bolos: amnésia, estado avançado. Falhas de memória imperdoáveis para os que conseguiam fazer uma bavaroise de frutos silvestres estupenda - mas não faziam ideia de como viver consigo próprios.
.
Talvez nisso ela pudesse dizer "percebo-te",
nisso e em tudo o resto,
ainda que em aparência a sua má memória fosse invertida.
Mas ela cozinhava também por adivinhação, juntava os ingredientes que sentia fazerem sentido, nas quantidades que a mão conduzida pela sagaz intuição permitia e rezava em profano para que o resultado fosse mais harmonioso que catastrófico.
E lembrava, como os traços definidos de um sonho recorrente,
tudo o que era para ele claro e consciente,
tudo o que realmente importava - mais do que qualquer coisa importar realmente.
Mesmo assim, era sempre aluna repetente,
só porque gostava de aprender tudo de novo, e que ele lhe ensinasse o que ela já sabia. Era tudo tão real, verdadeiro, quando era ele que o dizia - e ela queria ser plateia dos seus próprios pensamentos pensados e ditos por ele. Fechar os olhos e ouvir-se na boca dele, e ser olhada por ele como se pelo seu próprio espelho, como se a própria humanidade a contemplasse e a lembrasse de tudo aquilo que por condição a tinha feito esquecer.
.
Da raíz à ponta dos cabelos dele havia paz, mas os dela serpenteavam em cachos labirínticos, conflitos quase involuntários e restos de pesadelos a acordá-la apesar do sol deslumbrante da manhã...
Como se de açúcar/sal se tratasse:
"Chega de alegria, obrigada" - dizia ele.
"Um pouco menos de tristeza, se faz favor" - dizia ela.
E assim se encontravam, depois do pequeno-almoço, a meio caminho entre a miséria e a felicidade, para subirem juntos no elevador para um qualquer acordo entre termos.

22.8.08

Às vezes os aviões caem
e a culpa não é de ninguém.
Não é do motor, ele é só física e química - Natureza,
tal como o homem.

Não há culpa.
E, sem culpa, talvez também não haja morte.
Só vida que se acaba ou se transforma
noutra coisa qualquer.

Não. A Natureza não precisa de pedir desculpa.
O homem?
Isso é outra história.

(Ao sabor do vento as asas deste avião parecem feitas de papel, frágeis. Juro que quando ele aterrar, vou ficar mais feliz do que nunca por estar viva.)