Todos os dias te vejo.
Nenhum (deles) te olho.
Não sei se alguma vez me viste e, no entanto, quando falas fazes-me recordar memórias partilhadas de momentos inexistentes em que tu e eu brincávamos na areia (ou noutro sítio qualquer - talvez em cima de uma nuvem), imaginávamos as histórias que cada pessoa que passava teria para contar, ríamos inocentemente de tudo à nossa volta - de nós mesmos tantas vezes. Ninguém nos via. Nós também não víamos ninguém. Tu sabias porquê, mas não me contavas - não querias que caísse da nuvem. Se chegasse mesmo a cair, não sei se me irias buscar. Não faço ideia se arriscarias a tua ilusão pela derrota da minha. Há tanto que não sei ainda, tanto que fica sempre por descobrir. Nunca me contaste o final da história, vindo de ti, não me espantaria um final surpreendente e nada "feliz". E, mesmo assim, não me importava assim tanto de estar ali. Éramos pequenos e queríamos devorar o mundo. Tu devoravas a tua tigela de cereais de chocolate e eu a minha. E se a fome se recusasse a abandonar-me, não sei se abdicarias dos teus pedaços de cacau para a afastar de mim. Será que irias reparar? Será que não importa que essas tais memórias não existam afinal e tu estejas a morar no canto paralelamente oposto do universo? E se isso fizer a diferença?
Tenho vergonha de falar muito alto. E se ficar cansada de gritar para o outro lado do universo para que ouças o que tenho a dizer (quando não tenho que dizer nada)? E o que acontece se todas as palavras forem ouvidas na perfeição e o sentido se tiver perdido algures numa galáxia distante? Nem sei se te darás ao trabalho de o procurar - eu muito menos. Às vezes pensas que não estou a ouvir, às vezes não estou mesmo - não estou a ouvir as palavras; estou a tentar ouvir o sentido.
Porque é que falas então?
Porque é que tens que estar sempre a dizer alguma coisa? Às vezes apetece-me mandar-te calar. Esqueço as boas maneiras, a tua maneira até, a simpatia, tudo o que não interessa. Digo o que tenho a dizer. Tu ouves. As palavras, digo. O sentido só tu sabes. Se não te importa, então pouco me importa saber se te importa. Tu não és meu de forma alguma, sob perspectiva alguma, em galáxia ou planeta algum e, sem dúvida alguma, "tua" não sou eu. Nem sei se simpatizo com o que for teu, com o que exibes na tua espontaneidade caoticamente discreta.
És tão estranho.
Estranho. Não diz nada. Diz tudo. Inventamos nós o resto. Tu és estranho. E não sei porquê dizes-me muito mais assim. Às vezes não dizes nada. Às vezes parece que a comunicação inter-galáctica não surte efeito. Mesmo assim, há qualquer coisa de familiar em tudo o que de estranho existe em ti, algo com que concordo discordando completamente. Falas. Eu falo. Penso não sei em quê. Não evito voar. Também não sei se fujo se me tentares apanhar. Não sei. O que eu quero? Também não. Não sei se tenho borboletas a esvoaçar no meu estômago quando estás mais perto - nunca reparei. Não sei bem a cor dos teus olhos. A tua voz ouço-a vagamente. As tuas palavras são tantas - tão poucas as certezas quanto ao sentido que lhes queres imprimir... ou talvez não?! -, mas não sei nenhuma de cor. Nem as minhas resolvem morar na memória, a não ser as que te pedem para me adormeceres a cantar em silêncio nos teus braços. E o resto, sei lá.