27.12.09

Come back another day.

E eu pensava, sim, eu pensava que havia uma razão. Que se poderia justificar tudo com uma evidência qualquer que me escapava. Só o mistério me deixa em suspenso, à espera da próxima palavra a perder-se da tua boca. Mas não há nada, tu és assim e eu sou assim também e por isso te percebo tão bem. Reproduzo os teus passos, qual detective. Imagino o estímulo que me levaria a dar uma resposta igual à tua. É lógico. Matemática pura. Só me custa não perceber, não ter leitura e nada para ler, e tudo para mal-entender. Pura cortesia e especulação, aceita. Não sejas como os que já foram.


Acorda. A corda. Está aí. Corta-a à dentada, não a aceites. Vamos ser diferentes. Agora, que é o único tempo que existe. Diz o que tens a dizer, eu quero ouvir-te. Não fales de coisas que não me lembrem de ti, como te imaginei. Ajusta as contas e depois volta. Volta e deixa cair o véu que te cobre o rosto e envenena a interacção. Deixa-me ver aquilo que és e depois eu prometo que me vou embora. Quero deixar-te, especialmente se os teus braços estiverem atados. É a minha vez, eu sei. Por isso cobra a dívida, mas não me abandones na tua vida. Leva-me pela mão, mesmo aos lugares desertos,

ou então não agarres na minha mão, mas olha para mim daquela maneira. Olha para mim e o meu copo meio vazio fica meio cheio, meio a transbordar e eu só ouço o teu cheiro e só vejo o sabor da tua boca. O teu nome, a minha não é capaz de o dizer. Não te chamo nada. E não acredito nada em ti. Então fecha a porta e olha para mim mais um bocadinho. Diz qualquer coisa que eu nunca te ouvi dizer, com a mesma voz. És tu. Imagina que és tu. E depois não sejas mais nada.

17.12.09

Y - Eu não sei coser. Faz mal?

X - Não.

Y - De certeza?

X - Absoluta.

Y - Não te importas? (silêncio) Sei fazer algumas coisas, mas coser não.

X - Não se cose, então.

Y - Podemos falar?

X - Sobre o quê?

Y - Sobre qualquer coisa.

X - Mas queres dizer alguma coisa em especial?

Y - Não. Tu queres?

X - Não. Mas podemos falar.

Y - Podemos fazer o que eu quiser?

X - De vez em quando.

Y - E o que tu quiseres?

X - De vez em quando também.

Y - E o que é que fazemos quando não estivermos a fazer o que tu queres ou o que eu quero?

X - O que calhar.

Y - E se nos fartarmos?

X - Não fazemos nada.

Y - E se nos fartarmos de não fazer nada?

X - Fazemos qualquer coisa.

Y - E se nos fartarmos um do outro?

X - Tu voltas para a tua casa e eu para a minha.

Y - E se eu já não morar lá? As pessoas ficam diferentes depois destas coisas. E se for tarde demais para me ir embora?

X - Mais tarde ou mais cedo temos que ir embora.

Y - E isso é mais cedo ou mais tarde?

X - Quando for. Não faças tantas perguntas.

Y - Só pergunto porque quero saber.

X - Não podes saber sempre tudo.

Y - Está bem, mas às vezes as coisas não fazem sentido e eu preciso que elas façam pelo menos algum sentido. Não é preciso muito.

X - Não tens frio?

Y - Não, tu tens?

X - Estou a morrer de frio.

Y - (após uma longa pausa) Se morresses ia-me fazer imensa confusão.

X ri.

Y - A sério. Se te acontecesse alguma coisa e me telefonassem a dar a má notícia ou a dizer que tinhas ido parar ao hospital, o meu coração ia encolher como uma ervilha esmagada ao meio. Há outras pessoas que me fazem rir e que têm coisas bonitas, coisas de que eu gosto, mas se lhes acontecesse alguma coisa não me ia fazer tanta confusão. Isso deve querer dizer que me importo contigo. Às vezes penso em ti e até te acho antipático, não sei porquê. Mas as coisas que não são bonitas em ti cativam-me mais que a beleza de muitas pessoas. (pausa) Nem me lembro de ter frio. Mas tu lembras-te. É mau sinal.

X - Não digas disparates. Há outras coisas de que não me lembro quando estou ao pé de ti.

Y - A falha de memória é sinónimo de apreço?

X - Pode ser.

Y - Secalhar era melhor pormos uma pedra sobre o assunto. Isto pode correr mal.

X - Se correr mal, fazemos as malas e vamo-nos embora. Tu segues o teu caminho e eu sigo o meu.

Y - Eu não tenho bom sentido de orientação. Mas o meu sempre é melhor que o teu. Ainda nos perdíamos e aí precisávamos mesmo um do outro e não sabíamos como nos encontrar.

X - Quando lá chegarmos logo pensamos no assunto. Ainda é cedo. Dorme e não me faças mais perguntas.

(silêncio)

Y - Já estás a dormir?
Diz que sim. Eu digo que sim também, para não estar sempre
a dizer que não.

Diz, sim. Não importa a quê.
Salta.
Eu não levo pára-quedas. A queda não pára nunca e ainda bem. Só p'ra dizer que estou
viva, eu salto. Contigo. Ou sozinha e depois encontro-te no caminho. É bem melhor assim.

Diz que sim, só para eu saber que tu percebes a língua que se inventou entre nós sem darmos por isso. Sem que a saibamos falar. Demora o tempo que quiseres. A espera não acaba e tu já chegaste, desde sempre, desde longe.


Se me vires do avesso não me vires ao contrário,
já sabes que isso não se faz.
Faz-se o melhor que se pode com o que há,
que é perfeito, por defeito.
Sorri como se não ouvisses tudo o que é dissonância.
É disso que somos feitos. De tudo o que há de errado e
não se pode mudar.
É bem melhor assim.